Credit-as-a-service (Caas): uma tendência das fintechs de crédito

Tecnologia a serviço da concessão de crédito em plataformas digitais

O último Relatório de Economia Bancária do Banco Central do Brasil (BCB) aprofundou a análise sobre o impacto das fintechs no mercado de crédito brasileiro, mais especificamente as Sociedades de Crédito Direto (SCD) e as Sociedades de Empréstimos entre Pessoas (SEP). Nesse documento, o BCB apontou uma característica bastante peculiar desses modelos de negócios: o número crescente de cessões das operações de crédito que realizam (aumento de 33.182,6%) para fundos de investimentos (aumento de 81,1%) e companhias securitizadoras (aumento de 15,4%).

Esses dados demonstram que as SCD têm originado crédito principalmente para outros veículos. Ao transferirem sem coobrigação os títulos originados, essas entidades se tornam isentas do risco de crédito, que passa a ser do cessionário ou endossatário. Inclusive, essa é uma prática bastante comum nesse modelo de negócios, pois as cessões e os endossos recorrentes dos títulos originados fornecem os recursos necessários (funding) à concessão de mais empréstimos, possibilitando a alavancagem desses negócios.

Portanto, é bastante comum que SCD, e também SEP, realizem suas operações destinando os créditos que originam a companhias securitizadoras ou a fundos de investimentos nos quais tenham participação acionária ou como cotistas, respectivamente.

Mas a novidade, na verdade, vem de outra tendência, que ainda não aparece de maneira tão clara em documentos oficiais.

Além da originação para os veículos de securitização nos quais investem, os serviços de crédito também têm desenvolvido o modelo de negócios conhecido no jargão de mercado como Credit as a Service – CaaS, que consiste no oferecimento de um pacote customizável de produtos e serviços necessários à concessão de crédito por meio de plataforma digital para empresas que não são instituições financeiras, disponibilizando para as primeiras, de forma similar a como fazem a estas últimas, diferentes etapas da concessão de crédito, como, por exemplo, análise de risco de crédito, análise de documentação e antifraude, prevenção à corrupção e à lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo [incluindo, mas não se limitando a, procedimentos de verificação de know-your-customer (KYC), vendas, atendimento ao cliente, dentre outros.

Além dos serviços e produtos relacionados à originação, geralmente são também oferecidos serviços de cobrança de dívida.
Assim, similarmente aos modelos de XaaS (Everything as-a-Service), nos quais a entidade tech provê a infraestrutura necessária para o oferecimento de determinado produto ou serviço ao cliente por meio de Programming Interface Application (API), o fornecedor, ou seja, a fintech, provê a infraestrutura (operacional, tecnológica, regulatória, etc.) necessária para empresas diversas que têm interesse em ofertar crédito como forma de aumentar suas vendas, responsabilizando-se por tal infraestrutura, em contraprestação ao pagamento pelas especificidades e módulos de contratação requeridos, os quais são editáveis de acordo com as intenções do contratante.
E quais são as empresas contratantes desse serviço? Em primeiro lugar, é importante ter em mente que as empresas estão buscando desenvolver não apenas novas linhas de receita, como também facilitar o processo de compra por parte dos seus consumidores digitais. Ao integrar o crédito no ambiente de compra, o CaaS melhora a experiência disponibilizada ao cliente, tornando-se uma possível tendência promissora para empresas no Brasil, em função das vantagens que a contratação white label traz para empresas que estão focadas em suas atividades principais.
Os grandes diferenciais desse modelo de negócio residem, em primeiro lugar, no emprego da automação em todas, ou em grande parte das, etapas do processo e, em segundo, na acurácia do algoritmo preditivo de análise de crédito. A automação acarreta menor tempo de processamento de informações, o que é visto como valor para os usuários (sobretudo aqueles que precisam o quanto antes de crédito), juntamente com a personalização dos serviços e, em muitos casos, até o aumento do percentual de acertos de clientes bons pagadores.
Ao invés de esperarem uma resposta por dias, os clientes conseguem saber em poucas horas ou até em minutos se tiveram ou não sua solicitação de crédito aprovada. A precisão algorítmica, por sua vez, é fundamental à decisão de conceder ou não o crédito. Embora o processo não seja geralmente determinado integralmente por ele, sem dúvida tem um papel fundamental em filtrar, desde o início, os pedidos de empréstimos (leads) que estarão elegíveis às próximas etapas da esteira de crédito.
Além da automatização e da celeridade em seus processos, os serviços de CaaS passam a aprimorar os dados de seus clientes ao aplicarem tecnologias de machine learning e inteligência artificial, traçando perfis que corroboram para a análise preditiva. Com isso, é possível identificar mais facilmente, por exemplo, clientes com maiores riscos de crédito e até mesmo fraudadores.
Essas características tornam o Credit-as-a-Service uma alternativa atraente para as empresas que possuem uma ampla gama de clientes e que pretendem facilitar a aquisição de seus produtos, pois podem utilizar os provedores de CaaS tal como uma linha de crédito direcionada a atender a sua própria carteira de clientes.
O interesse pode estar na otimização da análise de crédito e cobrança de seus próprios clientes ou, ainda, de seus fornecedores, para que estes últimos possam disponibilizar crédito na etapa de compra dos produtos que oferecem e, assim, vender mais. Desse modo, torna-se possível o oferecimento de uma solução de crédito no seu próprio ecossistema (no caso de marketplaces, por exemplo), provendo uma melhor experiência aos usuários.
Assim, se as fintechs atuaram como plataformas de crédito para expandir as suas carteiras de clientes junto a “bancarizadores”, em um primeiro momento, agora começam a buscar parceiros de várias naturezas que possam fazer uso de suas soluções tecnológicas e disruptivas, a fim de aumentar as suas receitas, aprimorar seus algoritmos e ampliar a capilaridade e a extensão de seus produtos e serviços.
Embora seja ainda cedo para afirmar, essa estrutura de negócios pode acarretar, no longo prazo, um maior foco dessas empresas contratantes no mercado de atuação primário delas, tendo em vista o tamanho, geralmente significativo, da base de seus clientes e fornecedores, o forte posicionamento de marca e a capacidade financeira de investir no desenvolvimento de estruturas que possam acarretar redução dos custos de funding para as suas atividades no longo prazo.